segunda-feira, 24 de junho de 2013

Poesia Estudantil - Parte II


RAIMUNDO NONATO GUEDES DE AQUINO

Jornalista autodidata com formação no rádio, Nonato sempre esteve presente nos movimentos culturais de Cajazeiras nos conturbados anos 70 e 80. Foi um dos fundadores do antigo Cineclube Wladimir Carvalho. Em declaração no livro “Raízes” o jovem jornalista na época afirmou que para ele a poesia era apenas mais uma extensão do seu trabalho. E afirmou: “Na verdade eu não sou poeta, mas um jornalista que faz versos nas horas vagas e quando vem à inspiração”. Sobre o poema “Vítima ou Réu” que escreveu em 1977, na época, o jovem Nonato declarou ser em memória de Geraldo Ludugero, teatrólogo cajazeirense assassinado friamente no sanitário do “Cajazeiras Tênis Clube”. No julgamento, o réu foi absolvido por sete a zero. No poema abaixo, Nonato questiona até que ponto houve justiça no julgamento.






VÍTIMA OU RÉU

Tu que julgas este réu
e condenas quem morreu
não negas, por acaso, o direito à vida
de quem na própria vida não viveu?

E tu que na hipocrisia desta imagem
vestes em roupas de paladino da justiça
e lutas a nú contra a liberdade
não estarás traindo o ofício
semeando a desigualdade?

E tu que choras pelo réu
abominas a dor da vítima
não temes, por acaso,
que os crocodilos se encarreguem dessas lágrimas
e as despejem neste vale de esperança?
para aguar a vitória de uma bonança

E tu que te consideras digno probo
cidadão honesto, íntegro e intocável
não temeste tocar com mãos sujas
a alma limpa de que foi injustiçado?

E por que ao sentaste nesta cadeira
para o julgamento dos outros
não usaste esta tribuna
e levantaste a honra
e proclamaste a vida
de quem, de fato mereceu viver?

Não sentes remorsos, então
de exterminar o ser puro
e enaltecer a frieza do bruto impuro
que ainda hoje anda livre e sossegado
a contrastar com a liberdade
de quem de fato foi usurpado?

Não sentes, pois vergonha
de virar a medalha do teu reverso
e cuspir esta face, este outro lado
no rosto do ofendido ou do humilhado?

Tens tuas razões, é verdade
pois do meio que te obriga e te comporta
só se pode esperar semelhante ação
pois que é uma justiça que não é justa
que mesmo injusta será justiçada
por quem ficou nesta caminhada.

E se do palco da vida
arrancarem o ator principal
não principies a cantar glória
que o palco real não está vazio
mas vazia deve estar a consciência
de quem quis esvaziá-lo inutilmente.

E se não queres crer na evidência dos fatos
bebe a sabedoria popular
para quem “um dia é da caça
outro do caçador”
e no amanhã que desponta justiceiro
não haverá lugar pra quem como tu
salvaste a própria pele
mas condenaste ou ajudaste a condenar
a vida de um irmão
como a querer sufocar o seu grito
e impedir seu refrão.

Em Pé: Dantinha, Bosco Amaro, Paulo, Itamar, Tático, 
Arruda Sobrinho, Zé Goreth, Normando Soracles, Josival Pereira.
 Sentados: Gutemberg Pereira, Nonato Guedes, Gutemberg Cardoso, 
Mário Alves, Otacílio Trajano e Zé Alves. 




GIOVANNY DE SOUSA LIMA.

No período compreendido entre os anos 70 e 80, foi ativista membro do movimento secundarista e universitário de Cajazeiras. Juntamente com teatrólogo Tarcisio Siqueira, teve participação direta nos eventos culturais da cidade, principalmente os da área de artes cênicas. Ilustrou o Livro “Reflexos” do Poeta Irismar de Lira e foi um dos coordenadores do extinto Grupo de Integração do Menor na Comunidade (GIMC). Em João Pessoa, Giovanny foi estudante do curso de Psicologia do antigo IPÊ e assessorou o Departamento de Imprensa da Câmara Municipal, além de exercer atividades na área Educacional. Os poemas abaixo produzidos por Geovanny entre os anos de 1976 e 1980 apresentam frases e palavras que constituem o comportamento do ser e sua função na sociedade.




MARCO ZERO

Redimido no prumo da infraestrutura,
de altura, dimensões moribundas,
Permaneço impaciente.
Ampara-me o mínimo
Além-mar
durmo,
danço,
deito no duro dardo real das contradições,
com artérias proletárias, pensando sempre.
Circulo ruas,
e setas, números, sinais, símbolos,
são anestésicos de possíveis diálogos,
palavras, gargalhadas.
Uivando sob comando de vermes em camadas,
acajazeiradas,
compreendo:
“Pobre é ser rico de misérias,”
mutiladoras,
arrastando-se por fases,
recompensado por corrente de fazes programadas,
anordestinadas, onde devagar marcha a massa amassada,
triturada,
assada por peritos cozinheiros com suas frenéticas
normas,
códigos,
Leis...
Leis?
Ora leis!

CACTOS

Vomitadas tarifas institucionalizadas,
carimbadas,
mascaradas,
violentam impunes:
sexo.
Bolsos
Consciências.
Fronteiras
Economia popular,
entre cruzes e cravos.
Sinto dó,
do código ficar em ré...
quando viva ainda está,
a indústria da seca
atormentando pedreiras humanamente sertanejas.

UM ANÔNIMO NO MATO

Safras e entusiastos mantos
piadas novas não aparecem.
títulos atrasados pra dois santos dias sociais,
ironia,
na mania emprestam-me,
vomitados pela atrevida liberdade do sangue.
treze cruzeiros no saco de farinha,
morna,
após semana endividada.
Ora,
urra,
ora, escavando precipitado o peito,
na esperança de umedecer
o espírito praga da língua pregada.
Mira-se,
murmura queimando que continua,
lubrificando o senso da sensual censura.
Pendurando mãos calejadas no bolso declarado,
semblante do dissabor,
escamoteia contradições e,
as dissimula, apenas na ponta de cartazes bem posicionados.

NOZES

Arregaçados talheres embriagados,
socialmente calados,
atestam o teto furado da fé farinha,
pisoteada por grilhos e galhos opulentos,
consequente do habitual “show”, casulo noturno.
Pronto está estrumado banquete,
face a face participam:
foices,
freios,
fiados frutos da previdência adiantada.
Cachorro e mulher retalhados no raso das fezes,
fazem festa nos cantos dos cactos,
no vento da terra,
por não estarem mais presentes.
Indenizo meu silêncio fundo,
pelas brechas do rural atrofiado.
o sol queima vidas,
enquanto sedento continuo tocando os instrumentos
da Banda Curral,
que o Cristo do meu sertão empresta.
Voto democraticamente para a volta do meu mundo e,
percebo mancando que somente a morte,
estranho fruto da vida,
contempla abstraída,
o sucesso permanente da monumental parada:
indústria da Seca.

VIDAS REAIS RADIOGRAFADAS

Ciclos de fardos descompassados,
higienicamente chicoteados
vomitados,
pensam a prática,
e, pensar é fundamental,
mesmo na tropicologia aflita,
injusta gruta,
com suas fendas,
fundas,
afundando:
feriados,
salários,
feridas sistemáticas,
paulatinas,
de têmpera miséria secular
choram guilhotinados,
oram subdesenvolvidos.
pela sobrevivência inglória
fumegante,
atiçada,
absurda,
tensa
ajuazeirada,
lutam pelas transformações concretas,
diretas, necessárias,
brindando suas vivencias,
conflitos essenciais.
Conscientemente “sorrindo”.

fonte: RAÍZES, Livro de Poesias. Cajazeiras, 1982

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