quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Um tempo sem datas

por Alarico Correia Neto

Como era o Teatro Ica antes da reforma.



Não me amarro em datas. Basta a do meu nascimento, que envelhece mais do que a do meu aniversário, agora sem comemoração, porque virou “adversário”. Por isso não me reporto a tal ou qual ano da minha vida de atividades culturais por essa Paraíba afora, com paragens obrigatórias em Cajazeiras, “Onde, em práticas sem fim./ Deambulam as Musas:/ Na alma…”, como diria o poeta Manuel Bandeira.

Mas ainda lembro, foi na década de 1970, quando recebi a incumbência da Confederação Nacional de Teatro Amador (Confenata) de fundar a Federação Paraibana de Teatro Amador (FPTA), na idade dos vinte e tantos anos, que me tornei um “cajazeirado”. Quando eu não ia a Cajazeiras, Cajazeiras vinha a mim, pois a cajazeirada toda que morava em João Pessoa ou estudava em Recife baixava, nos fins de semana, na minha residência ou, depois, na casa de Beto Montenegro, com quem eu e o meu compadre Germano Mousinho passamos a dividir uma moradia nos Bancários.

Como tal, digo, como “cajazeirado”, apeguei-me às aspirações e pretensões do povo cajazeirense, principalmente no tocante à área cultural, principalmente quando o Grupo Boiada, tendo à frente Gutemberg Cardoso, montou a peça “A Cara do Povo do Jeito Que Ela É” (à memória de Paulo Pontes), de minha autoria; fiz-me presente nos movimentos em prol da construção da sua casa de espetáculos e, inevitavelmente, criando raízes de amizade e de identidade.

Nessa onda, conheci uma pessoa que, pela sua irreverência e liderança, despojada voluntariamente e com nítida sinceridade das suas condições de ser de família tradicional e de classe muito altamente favorecida, estava à frente de tudo que tivesse a bandeira do progresso e do desenvolvimento de Cajazeiras: Íracles Brocos Pires, popularmente conhecida como Dona Ica, que me permitiu chamá-la simplesmente Ica.

E lá ia ela, nos auditórios, nas emissoras de rádio, nos colégios, onde quer que houvesse quem lhe desse ouvidos, quase sempre com Telma Cartaxo atrelada aos seus propósitos, plantando a esperança e a fé em novos dias para a cultura e, de modo geral, para a população de Cajazeiras.

Quando possível, eu também ia a reboque, principalmente quando se tratava das atividades teatrais, porque era a minha área e também por interesse da Confenata. Tanto é que, fundada a FPTA, conseguimos eleger o cajazeirense Ubiratan di Assis seu primeiro presidente.

Porta aberta, fui entrando, como cachorro em igreja. Participei pioneiramente do projeto “Caja-já”, responsável por replantio de 200 mudas de cajazeiras no centro da cidade, e fui sócio-fundador e membro da diretoria do Centro de Tradições de Cajazeiras (CTC). Mas a satisfação maior veio com a construção do Teatro Íracles Pires, que também passou a chamar-se, na voz de Deus (quero dizer: do povo), “o Ica”.

Minha amiga Ica - amiga de todos nós que a admirávamos, quase a idolatrávamos, digo no plural porque nenhum de nós lhe era singular por exclusividade - eu e ela nos distanciávamos por 12 anos, mas ela se fazia igual a mim e a todos mais jovens do que eu, porque ela se rejuvenescia e se rejovializava em seu entusiasmo, na sua coragem, na sua dedicação às causas que abraçava e a que a todos nos levava.

Por termos estado, em algumas situações, tão juntos, como lutar pela construção do teatro de Cajazeiras, que cheguei a ser confundido como um dos “jovens engajados nessa ideia” ao lado de “Íracles Pires - atriz, teatróloga e, sobretudo, amante das artes em geral” (PALMEIRA, Balila. Os Teatros da Paraíba. João Pessoa: Academia Paraibana de Poesia; Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, 199, p. 98), quando eu não fui sequer um pingo d’água no oceano de competência, liderança, sabedoria e prestígio que foi a minha inesquecível amiga Ica.

Não foi por acaso que nominei Íracles, carinhosamente Ica, a minha filha nascida no ano da inauguração do teatro que, por reconhecimento e justiça, mereceu nome daquela ilustre e memorável cajazeirense. Quem conviveu com Ica, não importa qual tenha sido a data, viveu um grande tempo. Porque, como ela bem o diz em seu livro autobiográfico, que continua inédito, ela viveu todo o seu tempo, lamentavelmente tão exíguo pelo que ela precisava e merecia viver.


*ALARICO CORREIA NETO é jornalista, autor, ator e diretor teatral.






fonte: Correio das Artes-Ano LXIV, n° 07, setembro/2013

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