quinta-feira, 14 de maio de 2015

Ode a marizeira

Mariana Moreira





As árvores surgem imponentes e expressam testemunhos de resistência contra a destruição que, escancarada ou sutil, vai eliminando seus habitats naturais. Habitats como ribeiras e margens de córregos, riachos, banhados, que continuam desaparecendo ante a sanha dos pastos, lavouras e campos que alimentam o lucro e extinguem vidas.   De crescimento rápido como a desafiar a lógica da caatinga pontiaguda e preguiçosa, que segue a lerdeza das escassas chuvas, elas se sobressaem com galhos frondosos, mas de tronco espinhento e folhas miúdas, como a preservar uma identidade com a paisagem que lhe dá colo.

Os frutos amarelos e inodoros se multiplicam mesmo com as minguadas chuvas que, com recorrência, castigam a região com suas secas e desavenças. Amadurecidos, despencam dos galhos e transformam o chão em ouro. Abundantes, nos anos de estiagens, se transformavam em importante fonte de alimento, saciando estômagos e aliviando roncos e ansiedades de fome e incertezas. Como tantos outros frutos nativos da caatinga, trazem a marca da generosidade e da abundância como a compensar as agruras e limitações de um espaço que, tradicionalmente, foi caracterizado pela escassez.

Falo da marizeira, árvore sertaneja que, outrora, foi abundante em muitos lugarejos da região, inclusive, batizando lugares e nominando famílias. Uma árvore dessa espécie existe no oitão nascente de nossa casa em Impueiras. Os frutos da marizeira são os maris que, para serem consumidos primeiro devem ser lavados para se tirar a polpa. Depois, se coloca em uma panela de barro, no fogão a lenha por cerca de oito a dez horas. Não esquecer de estar sempre atiçando o fogo. É importante também que a lenha seja de jurema. Quando os maris ficam com os bicos abertos, estão prontos.

E ai vem a etapa final, que é quebrar a casca da semente, bastante resistente, pois o que é comestível é a amêndoa que tem dentro da semente.

Meu pai, Raimundo Moura, contava que seu pai, Felinto Moura, meu avô, certa vez, no final da tarde, na época da safra do mari, encontra um amigo e compadre, Chico Firmino, se não me trai a memória. Este vinha com uma lata e um pau de lenha no ombro. Meu avô pergunta ao compadre o que ele levava na lata e este responde: 
- É uns maris, para a janta.
E meu avô, espantado, interroga.
- E dá tempo cozinhar, compadre?
E ele responde. 
- Ora, compadre, ferveu tá dilido.
Apenas um causo dos tantos de seu Raimundo.

E a marizeira, com seus frutos amarelados pintando a ramagem verde de tons dourados, se lança no espaço abrigando em seus galhos ninhos e canto de rolinhas, sabiás, galos-de-campina, e saltos serelepes de sagüis.



fonte: Diário do Sertão

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