sábado, 24 de setembro de 2016

As aventuras do Capitão Brechó


O Engenho
Francisco Alexandre Gomes

Na antiga Rua do Gato Preto, hoje Rua Treze de Maio, ficava o primeiro cabaré de Cajazeiras. Nele havia apenas duas casas, sendo uma de D. Inocência e a outra de Chica do dente de ouro. Apenas cinco ou seis mulheres moravam ali e, entre todas, a de melhor visual era a Chica dente de ouro. Era ela também a mais afamada e disputada pelos homens.

Chica tinha mais ou menos uns trinta e cinco anos. Era uma mulata de pele lisa, olhos negros, corpo bem feito e um traseiro arrebitado que chamava a atenção dos frequentadores de sua casa. Ria constantemente e parecia que para ela no mundo não havia tristeza. Gostava muito do seu trabalho e fazia questão de satisfazer aos fregueses mais exigentes.

O “Capitão” não era homem de viver frequentando cabaré, mas D Honorina, sua mulher, estava comendo galinha. Havia lhe dado mais um filho e ele depois de 18 dias de jejum não aguentava mais. Por isso, naquele dia procurou a pensão de Chica dente de ouro. Lá foi muito bem recebido e ficou sentado a uma mesa tomando cerveja fria no pé do pote. A mulher não regava elogios ao “Capitão”. Sabia ela que ele era homem de dinheiro e, na certa, um bom partido.

As horas iam correndo. O “Capitão” já havia tomado algumas cervejas em companhia da dona do cabaré e seu sangue lhe fervia nas veias quando a rapariga o convidou para o quarto, com estas palavras: “Vamos capitão que eu quero ensinar o engenho”.  Ambos se dirigiram ao quarto que não tinha nenhum conforto e até a cama era de madeira coberta com um couro de boi e, sobre o mesmo, um ou dois panos encardidos.

O “Capitão” estava um pouco desconfiado daquela história de engenho na cama. Antes ele nunca ouvira alguém falar nisso, mas deixou tudo por conta da mulher que, na verdade, era uma excelente professora em matéria de sexo. E ficou mais desconfiado ainda quando Chica dente de ouro lhe explicou que no engenho ele seria a moenda de baixo e ela a de cima. Mas tudo bem. Esperou com calma e resolveu ser apenas um bom aluno.

O melhor de tudo foi quando depois de tudo haver terminado a mulher olhando com os olhos arregalados o palmo de fese que havia em cima da cama, exclamou: “Que é isso Capitão, em cima da minha cama? ” E ele respondeu com um repente digno de nota “Cri Jisus, sinhá Chica, isto qui voimicê tá veno aí é o bagaço da cana qui o ingem mueu”.
Diante destas palavras a mulher fechou a cara e nada mais disse. O “Capitão” mais do que satisfeito pagou a conta e deixou o cabaré da dente de ouro. Havia gostado da lição.


Você também vem do Mossoró
Francisco Alexandre Gomes

Já afirmei mais de uma vez, em comentários anteriores, que além de açougueiro e fazendeiro, o “Capitão” era também tropeiro e vivia levando mercadorias de Cajazeiras, Sousa e Antenor Navarro para vende-las em Mossoró, no Rio Grande do Norte. De lá vinha carregado de sal, e essas viagens, às vezes, duravam mais de um mês.

Exatamente, um mês depois de casado, o “Capitão” teve que viajar para Mossoró, pois o comércio de Cajazeiras, de Sousa e Antenor Navarro estava com o estoque de sal muito pequeno. Não havia outra saída, o negócio era mesmo fazer essa viagem. Não estava gostando nada dessa ideia de deixar a mulher em casa e sair por esse meio de mundo afora. Estava em lua de mel e havia até se desligado do comércio por aqueles dias. Mas não podia perder a freguesia e gostava muito e ganhar dinheiro. Como não havia outra saída resolveu uma madrugada fazer a viagem ao Rio Grande do Norte.

Na manhã daquele dia, amou a mulher mais de uma vez e dela se despediu com o coração já cheio de saudades da esposa querida Dona Honorina que também estava muito apaixonada não evitou que as lágrimas lhe rolassem pelo rosto. Na verdade, foi uma manhã triste tanto para Dona Honorina como para o “Capitão”. Na despedida do “Capitão” prometeu a esposa que viajaria dia e noite mais abreviaria o tempo da viagem. Dito e feito pois o homem quase estanca os animais nessa viagem ao Mossoró. E, chagando ao Mossoró, sem perca de tempo, carregou os animais e seguiu o caminho de volta. Não perdia tempo durante a viagem, isto é, não se demorava nas casas de fazenda pelo caminho como costumava fazer. Queria era chagar a casa e ficar ao lado da esposa fazendo aquele gostoso ritual do amor entre os jovens casais apaixonados. Durante a viagem, Honorina não lhe saía do pensamento um só instante. Quando dormia com ele estava a sonhar.

A viagem durou, mais ou menos, um mês e dez dias, ida e volta, e foi numa tarde, já ao crepúsculo, que o “Capitão” chagou a casa. Vinha muito cansado apesar de ser jovem e de possuir um vigor físico admirável. Chegando, quase não deu tempo de tirar a carga dos burros foi logo ao encontro da esposa que com lágrimas nos olhos o recebeu de braços abertos. Houve, na oportunidade, muitos beijos e abraços, coisa rara naquele tempo, mesmo entre os casais, e o “Capitão” que havia ficado todo aquele tempo longe da mulher e sem o amor físico não esperou mais um só segundo e ali mesmo no pé do fogão de lenha, na cozinha procurou matar toda a fome de sexo que sentia, já que estavam a sós em casa.

Ainda não haviam terminado a primeira batalha quando um galo entrou de cozinha a dentro atrás de uma galinha e junto ao “Capitão” e Dona Honorina o mesmo a cobriu. O “Capitão” que naquela época já era repentista exclamou: “Cris Jisus, meu fio! Vosmicê também vem do Mossoró? ”


A Morte de Menininho
Francisco Alexandre Gomes

Era uma encantadora manhã de inverno. Os pássaros orquestravam uma maravilhosa sinfonia que enchia os olhos de uma suavidade singular. O mato verde exalava um cheiro agradável, e a terra fecunda abria o ventre à germinação da vida. Um vento frio e rasteiro encenava um bailado esplendido nos ramos das árvores e no capinzal do baixio. As serras cobertas de neve cachimbavam anunciando mais chuvas naquele dia. O sol, rei astral e imperador dos sidéreos, surgia manhoso por trás dos montes, enquanto os homens de enxadas na mão lutavam bravamente entre contra o mato que, em muitos lugares, já asfixiava a legumada.

Tudo era vida, alegria, beleza e cores naquela manhã. Só o “Capitão” não estava satisfeito. Amanhecera mal-humorado. A noite toda pensou no péssimo negócio que havia feito com o velho Tonho. O desgraçado do velho o havia enganado. Vinha há seis meses esperando o resultado de sua compra e até aquele dia nada havia acontecido. Estava com as vacas todas na estaca zero. Nenhuma havia tomado cria. Desta forma, o ano iria ser perdido para ele, pois não iria acrescentar nenhuma cabeça ao seu rebanho. O ano já estava perdido e tudo por causa do miserável do velho Tonho que o tinha enganado como a uma criança. É certo que o touro era de raça boa e enganaria a qualquer um como ele foi enganado. Que péssimo negócio. Seis meses e nenhuma vaca prenha no pasto ou no curral.

Tinha que tomar uma resolução. Venderia o menininho para o açougue, mas o diabo era que os marchantes só o comprariam na graça e na graça ele não o venderia para ninguém. O menininho havia lhe custado um bom dinheiro e por isso preferia mata-lo e dá sua carne aos vizinhos ou aos urubus do que dá-lo de graça a açougueiro. Estava com muita raiva do touro. Seis meses e nenhuma vaca esperando bezerro. Diabo de touro mais mole! O que estaria acontecendo com aquele bicho? Ele não era velho. O “Capitão” não compreendia a indiferença do animal para com as vacas.

Chateado o “Capitão” pegou o bacamarte, carregou-o, e se dirigiu ao curral que ficava perto da casa da fazenda. José, seu filho, vendo que o “Capitão” estava com muita raiva do animal e imaginando o que se passava na mente do pai, o acompanhou ao curral sem dizer palavra alguma. No meio do curral o “Capitão” parou. Olhou o animal com muita raiva. O touro era belo animal, coisa de muitas arroubas. O “Capitão” estava decidido mesmo e quando ia levando a arma a posição de atirar o filho lha perguntou: “Papai, o senhor vai mesmo matá-io?” Ao que o “Capitão” lhe respondeu: “Cri Jisus, meu fio! Vou sim, voimicê num tá veno qui eu num vou fica cum bicho desse no meu currá, um bicho qui num sabe fazê outa coisa a num sê chará e lambê!”. Dizendo issto levou a arma a pontaria e abateu o belo animal porque o mesmo não era de nada.


O velório da mulher do cego
Francisco Alexandre Gomes

O “Capitão” era muito amigo do cego Joaquim Luiz. Mui amigo, como diria o Jô Soares. Tanto era assim que todas as vezes que ele viajava para Mossoró pernoitava na casa do cego, e diziam as más línguas que quando Joaquim Luiz adormecia o “Capitão” fazia travesseiro dos braços de Sofia, sua mulher. Mas se isso era verdade, o cego nunca desconfiou de nada ou nada a respeito do assunto alguém chagou a lhe contar. O certo é que com traição ou sem traição o cego gostava muito do “Capitão” enquanto este não sei dizer com absoluta certeza de que gostava mais se de Sofia ou de Joaquim Luiz.

A família do cego era muito resumida e se constituía apenas dele, de Sofia e da velha Liberata, uma preta de quase oitenta anos, que fora escrava do pai de Joaquim Luiz. Apesar da idade, essa preta velha era quem ajudava Sofia nos afazeres da casa e a cuidar dos animais que eles criavam especialmente de algumas cabeças de gado que o cego ainda tinha no campo e no curral.

Sofia era uma mulata bem-feita de corpo, de rosto simpático e muito ativa, apesar de ter problemas cardíacos desde muito jovem. Não tinha medo de trabalho algum e só se encostava por um dia ou dois quando vinha aquela falta de ar que a asfixiava tanto e a dor aguda no peito. Passada a crise era a mesma mulher de sempre, corajosa e dinâmica.

Numa terça-feira, já ao crepúsculo o “Capitão” tomava chegada à casa de Joaquim Luiz e ao se aproximar da residência ouviu alguém chorando. Chegando à casa do cego foi logo desmontado do animal e procurando saber o que realmente havia acontecido. Mas logo na porta da casa encontrou a preta velha banhada em lágrimas, e ela a ele foi logo dizendo que patroa havia falecido. Sofia havia há pouco deixado o mundo os mortais. Entrando na residência o “Capitão” sentiu o coração bater forte ao ver Sofia sem vida deitada numa cama de couro no meio da sala e tendo ao lado o esposo que desesperado lamentava sua morte em alta vez.

Durante toda a noite, o “Capitão” ficou com Joaquim Luiz e Liberata velando a morta. O cego não deixava o cadáver um só instante e não parava de chorar e lamentar a perca da esposa. Não adiantavam os conselhos da preta velha nem do “Capitão”, o cago estava desesperado. Não saía de perto da defunta e com a mão sobre o sexo sem vida da mesma repetia, constantemente, estas palavras: “Ah! lugá, lugá, lugá”. Isso durante toda a noite. A mão sobre o sexo sem vida e a repetição: “Ah! lugá, lugá, lugá”.

No dia seguinte, logo cede algumas pessoas foram chegando para o enterro de Sofia, e o cego continuava lá, junto do cadáver, a mão sobre o sexo morto da mulher e a mesma cantinela: “Ah! lugá, lugá, lugá”. O “Capitão” já estava aporrinhado com aquela cantinela e com a falta de pudor do cego. De repente, chagando-se a este, e colocando a mão sobre o ombro do mesmo disse: “Cri Jisus, meu cumpade! Tenha calma. A cumada morreu mais voimicê pode fica sussegado qui eu vou cavá outa muié pra voimicê”. Ouvindo isto, o cego levantou-se e exclamou: Eu sei qui voimicê, “Captão” pode fazê isso, mas nunca me arranjá outa muié cuma essa qui Deus levou agora”.



quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Das bravatas de Arsênio ao telefone do Presidente

Mariana Moreira
Texto Publicado no Jornal A União, em 1986.


Depois de alguns meses de abstinência, resolvi assistir as sessões da Câmara Municipal de Cajazeiras. E que agradável surpresas encontrei na Casa de Otacílio Jurema, não apenas pela grande quantidade de suplentes que assumiram nas vagas deixada pelos titulares, afastados para tratamento de saúde, contaminados pelo estranho vírus identificado, ano passado, pelo cientista da Casa, vereador Arsênio Araruna, como “mordomia barata” (vocês se lembram, não?). 
Logo de cara me deparo com m amigo Zé da Crença, que, em passo rápido, subia de dois em dois degraus a escada que dá acesso ao plenário. Uma estranha surpresa que contraria as suas convicções, que sempre diz preferir a quietude de sua casa de tapa na beira do Riacho do Cipó, ao invés do movimentado, e as vezes, confuso universo da política. Me detenho um pouco com a deliberada intenção de ver qual será seu comportamento. Ele entra no plenário, senta na primeira fila e, quando o presidente em exercício da Casa começa os trabalhos, limpa olhos e ouvidos, e, atentamente, inicia um trabalho de observação apurada. 
Já conhecimento a fundo o destilado espírito irreverente do meu amigo, me aproximo e ele me cumprimenta com um leve gesto de cabeça. Estranho essa atitude numa pessoa que sempre fez verdadeiro a tarde ao encontrar uma pessoa amiga. Ele pretendendo minha reação cochicha em meu ouvido: “quero saber se esses cabra são bom de conversa” Compulsoriamente, também volto minha atenção para os discursos e lá vem mais surpresas entre discursos inúteis e palavras e palavras atiradas ao sabor de uma lua que, subindo no nascente, parecia dividir com meu amigo a assistência aquela espetáculo.
Mais eis que, de repente, em pleno pronunciamento do vereador José Alme, que condenava o comportamento arbitrário da Policia Militar, seu colega Arsênio Araruna pede um aparte e, em tom de herói grego, começa a narrar numa abjetividade que tomou toda o tempo do seu companheiro, a sua façanha de enfrentar, dias atrás um destacamento da PM que estava espancando um popular. Gesticulando fortemente e gritando, a pleno pulmões, que era “muito homem”, e que não temia “policia”. Arsênio provocou um raro sentimento em meu amigo, que se vira para mim, com seu olhar matreiro, e diz: “Mariana, se esse cabra tem nascido há uns 80 anos atrás, Lampião não tinha feito as diabruras que fez por essas banda. Veja só a valentina do homem. Parece mais um toro enfezado. Agora, pra ver se ele tem essa brabeza toda queria ver fugindo de uma vaca afobada e com bezerro novo dentro de um partido de jurema preta. Essa bravata eu queria ver ele contar”...
O presidente da sessão nos olha com um gesto repressor e meu amigo se recolhe a sua observação hinduana. Na tribuna Arsênio encerra a Narrativa de suas homéricas aventuras politicas, mais s assemelhando a Ferrabraz e duelo com  Diabo, quando é contra-apertado pelo colega Sinfrônio de Lima, que caiu na besteira de dizer que o boato corrente na cidade era o de que ele (Arsênio) não tinha dito uma só palavra ao ser abordado pela Polícia.
O relógio já caminhava para as nove horas. Agora, as sessões da câmara poderão se estender até a madrugada, com o fim da Novela Roque Santeiro, sua principal inimiga, para o bem do Legislativo e da comunidade cajazeirense. O telefone toca e o vereador Raimundo Júnior, que presidia os trabalhos da noite, o atende, num gesto de extrema delicadeza e cortesia para com os companheiros. De telefone colado no ouvido rlr ao mesmo tempo, conversa com quem está no outro lado da linha e cloca em votação os requerimentos encaminhados durante a sessão. Meu amigo Zé da Crença me cutuca mais uma vez e, com um tímido sorriso que mais revela malícia que divertimento, pergunta: “Mariana, você lembra aquela anedota do homem que pede a campainheira para prestar atenção no serviço. Pois bem, esse moço aí bem que merecia um lembrete desses”.
A sessão termina e saio para a rua com meu amigo, estranhando o fato dele ter arribado da paz do sei lar para vir assisti a uma sessão da Câmara. Quando tentei obter uma resposta para isso ele já tinha desaparecido. Volto para casa e, no caminho, reviso todos os acontecimentos da noite na Casa de Otacílio Jurema e encontro a resposta para a curiosidade do meu amigo.




segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Pequeno relatório da história dos Festivais Estudantis de Poesias em Cajazeiras. Entre 1973 e 1977.


Poesia cajazeirense em dois tempos 
Do Suplemento Especial-Cajazeiras, publicação do Jornal A União, dia 22 agosto de 83, Pág. 13

Há anos os estudantes vêm lutando dentro do chamado campo cultural, para divulgar, descobrir e incentivar novos valores artísticos culturais. Esse trabalho vem sendo feito através da música, do teatro, do cinema, da poesia. Neste boletim, propomos-nos a falar um pouco sobre a poesia no nosso meio social, principalmente no meio estudantil.

Em 1973, os grupos de jovens GIMC e GRUJUCA, promoveram o primeiro Festival de Poesias de Cajazeiras. Foi um posso importante para unir pessoas interessadas na citada arte. Pena que no ano seguinte ninguém teve a iniciativa de continuar o evento, e somente em 1975, quando o coordenador do GIMC, José Irismar, um amante da poesia, assumiu a presidência do Centro Cívico Olavo Bilac, é que renasceu a ideia de continuidade dos Festivais de Poesia. Só que desta vez a participação foi limitada apenas aos Estudantes do Colégio Estadual. Mas foi um grande marco. A partir daí sentiu-se que a poesia em nosso meio não seguiu o ritmo tradicional, mas tornou-se um instrumento de reflexão, despertar e de denúncia. A poesia voltada para a realidade, preocupada em levar uma mensagem e uma visão libertadora do homem.

Idêntica iniciativa tomou o presidente do Centro Cívico Olavo Bilac, em 1976, José Alves Neto, quando realizou o segundo festival interno de Poesia, com mais de 22 poesias concorrentes, só de alunos do Colégio Estadual. Aplaudida a iniciativa, mas os estudantes dos demais Colégios se queixavam de não poderem participar.

Visando dar vez aos estudantes dos demais estabelecimentos de ensino de nossa cidade o presidente do Centro Cívico Olavo Bilac, em 1977, Dirceu Marques Galvão levando em conta profunda avaliação dos festivais passados, estendeu a promoção para todos os estudantes da cidade, tanto dos Colégios como da Faculdade. Daí surgiu o título: III Festival Estudantil de Poesia. Esta foi uma das promoções mais bem organizadas. Saiu-se nas classes de todos de todos os Colégios e Faculdades e criou-se comissões de organização. Em cada Colégio tinha uma comissão responsável pela divulgação, pelo trabalho de inscrição etc. Foi realizado uma assembleia, no Círculo Operário, com mais de oitenta estudantes presentes, para discutir a organização do Festival e criar o regulamento, democraticamente. Foi um dos festivais mais movimentados e que despertou em muita gente o interesse pela cultura, pela poesia.Infelizmente, em 1978, ninguém teve a iniciativa de dar continuidade aos Festivais de Poesia, e passou em branco.

Círculo Operário - Jurado de um dos Festivais Estudantis de Poesias

O Cineclube Vladimir Carvalho fez uma 
pesquisa a respeito dos Festivais já realizados em Cajazeiras e aqui está um resume.

1º Festival Regional de Poesia em Cajazeiras
Local: Colégio Diocesano
Data: setembro de 1973
Promoção: GIMC e GRUJUCA
Classificação
1º Lugar: “Comparando” de Teté Assis
2º Lugar: “História de um olhar” de Pereira de Oliveira
3º Lugar: “Nem tudo ameaça ruir” de José Irismar de Lira
Melhor intérprete: “Sertão, Amor e Sofrimento” de Geraldo Ludugero

Festival Estudantil Interno de Poesia
Local: Círculo Operário
Data: outubro de 1975
Promoção: Centro Cívico Olavo Bilac do Colégio Estadual de Cajazeiras
Gestão: José Irismar de Lira
Classificação
1º Lugar: “Versos Noturnos” de José Irismar de Lira
2º Lugar: “Você” de Francisco Eudes Braga
3º Lugar: “Início do Fim” de Humberto Holanda
4º Lugar: “Quem é o Culpado” de Ivaldo Pereira

2º Festival Estudantil Interno de Poesia
Local: Círculo Operário
Data: agosto de 1976
Promoção: Centro Cívico Olavo Bilac do Colégio Estadual de Cajazeiras
Gestão: José Alves Neto
Jurados: Ubiratan Assis, Marcos Luiz, Francisco Ferreira, Raimundo Holanda, Luiz Alves, Constantino Cartaxo e Antônio Tomê
Classificação
1º Lugar: “O Prisioneiro” de Gutemberg Cardoso
2º Lugar: “Contradição” de Nonato Guedes
3º Lugar: “Seis Horas” de José Filho
Melhor intérprete: Crizenith Assis

3º Festival Estudantil de Poesia
Este foi o último Festival de poesia de nossa cidade, com distribuição de folhetos, contendo todas as poesias concorrentes. Apesar da ausência de Festivais, esse tipo de expressão artística continua vivo dentro dos cajazeirenses. A chama continua acesa.
Local: Círculo Operário
Promoção: Colégios Estadual, Diocesano, Nossa Senhora de Lourdes, Comercial, Hildebrando Leal, Escola Polivalente e a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras.
Direção: Dirceu Marques Galvão  
Classificação
1º Lugar: “” de Gutemberg Cardoso
2º Lugar: “Opressão” de Nonato Guedes
3º Lugar: “O Muro” de Dirceu Marques
Melhor intérprete: Leda Arlene e Regirlene

O Presioneiro 
Gutemberg Cardoso - 1º lugar no Festival de 1976

E o mundo corre, e a vida passa...
Eu, eu calado.
seja no canto, seja no campo,
Não me perguntem, estou privado.
De repente me senti culpado,
fui vítima, covarde e herói.
mas descobrir sofrendo e vivendo
que alguém de fome morrendo, em mim dói.

Burlei meu estômago, tapeei a realidade,
camuflei irônica alegria
na magia, cotidiano da dura verdade.
Deitei fome, sonhei liberdade e acordei prisão.
Deitei, porque estava fraco e apático.
Sonhei... E como era boa a liberdade.
Acordei, não! Acordaram-me...
De súbito, olhei e já estava de mãos juntas
injustamente, pois só tentei defender
um direito sagrado, que agora é salgado.

No convívio quadrado: conselho, ameaças,
tortura e opressão, e dizem eles:
pra sua recuperação.
Já marginalizado, a morte era o meu
último e maior desejo
E eu? magro, barbudo, olhos fundos
e já desfigurado.
Mas lá fora alguém esperava o cortejo
Novamente sonhei... e como era bom o livre pensar,
o livre dizer...
Só que neste sonho eu não imaginei
que, sem fôlego, eu teria que despertar
pra novamente dormir e nunca mais acordar.

E partiu o herói que não temia partir.
E o povo chorou, que antes não conseguia rir.
No outro dia, ao romper da aurora da triste manhã,
um pequeno garoto: roupas simples, pés descalço,
um pacote de jornal à mão, corria de um lado para outro
das ruas, com muita aflição:
Extra! Extra! Extra!
“Detento enforca-se misteriosamente na prisão...

 
Gutemberg Cardoso - 1º Lugar no Festival de 1977

Assim que nascemos,
na barriga levamos um nó da parteira Maria.
E se não morremos do primeiro,
de fome ou epidemia, e preciso coragem
e ser forte para suportar os nós das jornadas que afligem os fracos.

Pedro da fábrica:
na madrugada, na marmita, na lotação e na hora extra
boia tua fria e nua nesta vida neste nó.

José bem segurado:
na fila, na previdência, na doença,
geme curado pela assistência burocrática.
Que nó, que agonia.

Os estudantes:
no quadro no libro, no limite, no sete, na taxa, e no sete.
Com vendas, sem boca, sem poli, sem tica com nó.

As crianças:
na rua, na cola, no lixo, na gang, os gira-mundos
são raquíticos
dos conflitos do pobre contra a pobreza.

Os poetas:
no pó, sol, no canto livre, estamos no sol,
sem corda, sem dó,
apeiado na altura e altura dos senhores sem dó.

Os vagabundos:
na procura, no concurso, na fila, com dez, sem emprego,
mas se aperta o nó.

Chico do subúrbio:
no corpo, na cara, na cana, na lata,
no andaime, no biscate mergulho tragável fugindo do nó.

João lavrador:
na terra, na cova inha,
na planta nua e a colheita é sempre assim.
na distância do roçado é cada vez mais pouco meu bocado.

Todos:
nó no pescoço, na perna, nas mãos, nos olhos,
no nó e na consciência...
Você me desate esse nó!
Não pode... ah! Você também tem nó?
E você pode desatar este nó?
Não quer? Mas você também tem nó?
E você aí em cima, piedade, desate estes nós!
Não me escuta, não é?
Haverá um dia em que todos os nós farão um novelo
e no romper do novo dia,
em agonia eu hei de vê-lo.

Contradição 
Nonato Guedes

Ser ou não ser
Disse o célebre Shekespeare
Aflorando universo a dentre
A dúvida clássica
Da aflição existencial
Originalizou-se o dilema
Reflexo da questão
Questionada
Semeando a real capacidade
Da humanamente incorrigível
reação do ser
Ou se é ou não se é
Ditam os preceitos “constitucionais”
Da vida em comum
Rezam os direitos democráticos
Da existência
Ou se vive ou não se vive
E é aí onde reside
O preceito básico do condicionamento coletivo
Ou se apoia ou se contesta
E contestar não pode
Nem a “essência” da vida deixa
Mas impede
Ou se grita ou se cala
E se grita
Corre o risco
Da transgressão estupida
Das leis que regem o universo
E se cala
Também corre o risco
Do sufoco destruidor
Da própria ambição do homem
Metamorfoseando de amos
Ou desiste ou persiste
E se desiste é fraqueza
Sentimento desprezível
E se persiste
Se expõe ao risco
De ter que reconsiderar
Ou se vive ou não
E o certo em tudo, isso
E que nem se vive nem não
Mas se está pelaí
Pelo mundo... a vida...
Caminhando... parando... andando...
Pensando (?) e...
Não digo vivendo
Mas... sei lá!... estando.

Mordaça 
Joab de Sousa Sales

A mão cega
Esculpiu a exploração
Na face (trágica) do dia
Cavou sepulturas no coração
Desenhou no rosto, o medo
Nos lábios, o silêncio.
Acorrentou o passo,
Amordaçou o verbo
Teceu a força das leis
E revogou todas as disposições em contrário
Ergue a força
A força...
Gerou filhos cegos e obedientes
E com olhos míopes, governou o caos.





sábado, 17 de setembro de 2016

CAJAZEIRAS DE ONTEM

Maria Nazareth Lopes (In Memoriam) Crônica publicada em 1983, no Jornal A União

Cajazeiras, o centro da cidade. Hoje está tudo mudado.

Antes que vocês façam um esforço mental, é SAUDADE o tema deste trabalho – Cajazeiras de ontem. Esse ontem refere-se a trinta e cinco anos passados.
Não faz tanto tempo, mas tudo era diferente. Como era tudo tão bom!
O progresso cria coisa boa, mas outras ótimas ficam no rol das que “já eram”.
Pensávamos como tudo mudou. Vejamos uma síntese do antigo ano sócio religioso em nossa cidade.
A começar pela Semana Santa: naquele tempo não tínhamos a igreja catedral e, principalmente, no sábado de aleluia, já pelas quatro horas da madrugada nos comprimíamos na atual matriz de N. S. de Fátima, de onde saiamos mais tarde com uma rosa do altar do santo sepulcro.
O carnaval de rua era mais simples, com menos barulho, mas havia a concorrência entre os clubes 1º e 8º de maio que desfilavam com suas fantasias e um teria que vencer, mediante os aplausos do povo que vibrava com esta apresentação.
Durante o mês de maio, a igreja ficava cheia de gente que, diariamente comparecia às novenas. O altar cada noite se revestia de mais encanto, porque os responsáveis faziam tudo que pudessem para exaltar Maria, a Rainha dos Homens. Depois da novena, os fogos de artificio chamavam a atenção dos mais velhos, enquanto os jovens faziam o seu costumeiro passeio ali na praça da matriz.
O mês de junho era dos mais animados, pois festejávamos Santo Antônio, São João e São Pedro. A festa de Santo Antônio, lá em frente a sua capela, era uma beleza, com o folclore presente na banda de pífanos (que nós chamávamos banda cabaçá), e os célebres leilões. Eram três noites de muita alegria.
O São João. Ah, o São João era muito bem comemorado. Na primeira quarta feira, começavam os ensaios de quadrilhas que se repetiam todas quartas e sábados que precediam a noite de São João. Havia prêmios para os homens mais caipira e para mulher que se apresentasse com característica de matuta. Tivemos até o prazer de receber um desses prêmios. (Como era comum naquele tampo, a festa tinha seu início às 20 horas e não havia as bebedeiras tão comum hoje) O Baile de São Pedro, não sei porque era em traje passeio, mas a quadrilha não faltava.
Vinha A então tradicional festa de agosto. No dia 5 de agosto, havia o hasteamento da bandeira da paróquia, seguindo-se nove noites de quermesses, com dois partidos, numa competição entusiástica que contagiava todos. No dia do Estudante, 11 de agosto, saímos da igreja, em passeios cantando o nosso hino do Estudante até o local das barracas, onde o Estudante ara o homenageado da noite.
Natal e Ano Novo hoje, ainda se assemelham muito ao do no passo tempo. Havia os mesmos passeios do povo da cidade e dos sítios, pelos mesmos locais, com a Missa do Galo, no Ano Novo, o Réveillon, despertando para novos dias.
E, com estas recordações, quisemos não só mudar um pouco a norma das crônicas, mas, principalmente, informar a geração de hoje sobre Cajazeiras de ontem e, reavivar algumas, ou, quem sabe, grande saudade no coração de muita gente.