segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Pequeno relatório da história dos Festivais Estudantis de Poesias em Cajazeiras. Entre 1973 e 1977.


Poesia cajazeirense em dois tempos 
Do Suplemento Especial-Cajazeiras, publicação do Jornal A União, dia 22 agosto de 83, Pág. 13

Há anos os estudantes vêm lutando dentro do chamado campo cultural, para divulgar, descobrir e incentivar novos valores artísticos culturais. Esse trabalho vem sendo feito através da música, do teatro, do cinema, da poesia. Neste boletim, propomos-nos a falar um pouco sobre a poesia no nosso meio social, principalmente no meio estudantil.

Em 1973, os grupos de jovens GIMC e GRUJUCA, promoveram o primeiro Festival de Poesias de Cajazeiras. Foi um posso importante para unir pessoas interessadas na citada arte. Pena que no ano seguinte ninguém teve a iniciativa de continuar o evento, e somente em 1975, quando o coordenador do GIMC, José Irismar, um amante da poesia, assumiu a presidência do Centro Cívico Olavo Bilac, é que renasceu a ideia de continuidade dos Festivais de Poesia. Só que desta vez a participação foi limitada apenas aos Estudantes do Colégio Estadual. Mas foi um grande marco. A partir daí sentiu-se que a poesia em nosso meio não seguiu o ritmo tradicional, mas tornou-se um instrumento de reflexão, despertar e de denúncia. A poesia voltada para a realidade, preocupada em levar uma mensagem e uma visão libertadora do homem.

Idêntica iniciativa tomou o presidente do Centro Cívico Olavo Bilac, em 1976, José Alves Neto, quando realizou o segundo festival interno de Poesia, com mais de 22 poesias concorrentes, só de alunos do Colégio Estadual. Aplaudida a iniciativa, mas os estudantes dos demais Colégios se queixavam de não poderem participar.

Visando dar vez aos estudantes dos demais estabelecimentos de ensino de nossa cidade o presidente do Centro Cívico Olavo Bilac, em 1977, Dirceu Marques Galvão levando em conta profunda avaliação dos festivais passados, estendeu a promoção para todos os estudantes da cidade, tanto dos Colégios como da Faculdade. Daí surgiu o título: III Festival Estudantil de Poesia. Esta foi uma das promoções mais bem organizadas. Saiu-se nas classes de todos de todos os Colégios e Faculdades e criou-se comissões de organização. Em cada Colégio tinha uma comissão responsável pela divulgação, pelo trabalho de inscrição etc. Foi realizado uma assembleia, no Círculo Operário, com mais de oitenta estudantes presentes, para discutir a organização do Festival e criar o regulamento, democraticamente. Foi um dos festivais mais movimentados e que despertou em muita gente o interesse pela cultura, pela poesia.Infelizmente, em 1978, ninguém teve a iniciativa de dar continuidade aos Festivais de Poesia, e passou em branco.

Círculo Operário - Jurado de um dos Festivais Estudantis de Poesias

O Cineclube Vladimir Carvalho fez uma 
pesquisa a respeito dos Festivais já realizados em Cajazeiras e aqui está um resume.

1º Festival Regional de Poesia em Cajazeiras
Local: Colégio Diocesano
Data: setembro de 1973
Promoção: GIMC e GRUJUCA
Classificação
1º Lugar: “Comparando” de Teté Assis
2º Lugar: “História de um olhar” de Pereira de Oliveira
3º Lugar: “Nem tudo ameaça ruir” de José Irismar de Lira
Melhor intérprete: “Sertão, Amor e Sofrimento” de Geraldo Ludugero

Festival Estudantil Interno de Poesia
Local: Círculo Operário
Data: outubro de 1975
Promoção: Centro Cívico Olavo Bilac do Colégio Estadual de Cajazeiras
Gestão: José Irismar de Lira
Classificação
1º Lugar: “Versos Noturnos” de José Irismar de Lira
2º Lugar: “Você” de Francisco Eudes Braga
3º Lugar: “Início do Fim” de Humberto Holanda
4º Lugar: “Quem é o Culpado” de Ivaldo Pereira

2º Festival Estudantil Interno de Poesia
Local: Círculo Operário
Data: agosto de 1976
Promoção: Centro Cívico Olavo Bilac do Colégio Estadual de Cajazeiras
Gestão: José Alves Neto
Jurados: Ubiratan Assis, Marcos Luiz, Francisco Ferreira, Raimundo Holanda, Luiz Alves, Constantino Cartaxo e Antônio Tomê
Classificação
1º Lugar: “O Prisioneiro” de Gutemberg Cardoso
2º Lugar: “Contradição” de Nonato Guedes
3º Lugar: “Seis Horas” de José Filho
Melhor intérprete: Crizenith Assis

3º Festival Estudantil de Poesia
Este foi o último Festival de poesia de nossa cidade, com distribuição de folhetos, contendo todas as poesias concorrentes. Apesar da ausência de Festivais, esse tipo de expressão artística continua vivo dentro dos cajazeirenses. A chama continua acesa.
Local: Círculo Operário
Promoção: Colégios Estadual, Diocesano, Nossa Senhora de Lourdes, Comercial, Hildebrando Leal, Escola Polivalente e a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras.
Direção: Dirceu Marques Galvão  
Classificação
1º Lugar: “” de Gutemberg Cardoso
2º Lugar: “Opressão” de Nonato Guedes
3º Lugar: “O Muro” de Dirceu Marques
Melhor intérprete: Leda Arlene e Regirlene

O Presioneiro 
Gutemberg Cardoso - 1º lugar no Festival de 1976

E o mundo corre, e a vida passa...
Eu, eu calado.
seja no canto, seja no campo,
Não me perguntem, estou privado.
De repente me senti culpado,
fui vítima, covarde e herói.
mas descobrir sofrendo e vivendo
que alguém de fome morrendo, em mim dói.

Burlei meu estômago, tapeei a realidade,
camuflei irônica alegria
na magia, cotidiano da dura verdade.
Deitei fome, sonhei liberdade e acordei prisão.
Deitei, porque estava fraco e apático.
Sonhei... E como era boa a liberdade.
Acordei, não! Acordaram-me...
De súbito, olhei e já estava de mãos juntas
injustamente, pois só tentei defender
um direito sagrado, que agora é salgado.

No convívio quadrado: conselho, ameaças,
tortura e opressão, e dizem eles:
pra sua recuperação.
Já marginalizado, a morte era o meu
último e maior desejo
E eu? magro, barbudo, olhos fundos
e já desfigurado.
Mas lá fora alguém esperava o cortejo
Novamente sonhei... e como era bom o livre pensar,
o livre dizer...
Só que neste sonho eu não imaginei
que, sem fôlego, eu teria que despertar
pra novamente dormir e nunca mais acordar.

E partiu o herói que não temia partir.
E o povo chorou, que antes não conseguia rir.
No outro dia, ao romper da aurora da triste manhã,
um pequeno garoto: roupas simples, pés descalço,
um pacote de jornal à mão, corria de um lado para outro
das ruas, com muita aflição:
Extra! Extra! Extra!
“Detento enforca-se misteriosamente na prisão...

 
Gutemberg Cardoso - 1º Lugar no Festival de 1977

Assim que nascemos,
na barriga levamos um nó da parteira Maria.
E se não morremos do primeiro,
de fome ou epidemia, e preciso coragem
e ser forte para suportar os nós das jornadas que afligem os fracos.

Pedro da fábrica:
na madrugada, na marmita, na lotação e na hora extra
boia tua fria e nua nesta vida neste nó.

José bem segurado:
na fila, na previdência, na doença,
geme curado pela assistência burocrática.
Que nó, que agonia.

Os estudantes:
no quadro no libro, no limite, no sete, na taxa, e no sete.
Com vendas, sem boca, sem poli, sem tica com nó.

As crianças:
na rua, na cola, no lixo, na gang, os gira-mundos
são raquíticos
dos conflitos do pobre contra a pobreza.

Os poetas:
no pó, sol, no canto livre, estamos no sol,
sem corda, sem dó,
apeiado na altura e altura dos senhores sem dó.

Os vagabundos:
na procura, no concurso, na fila, com dez, sem emprego,
mas se aperta o nó.

Chico do subúrbio:
no corpo, na cara, na cana, na lata,
no andaime, no biscate mergulho tragável fugindo do nó.

João lavrador:
na terra, na cova inha,
na planta nua e a colheita é sempre assim.
na distância do roçado é cada vez mais pouco meu bocado.

Todos:
nó no pescoço, na perna, nas mãos, nos olhos,
no nó e na consciência...
Você me desate esse nó!
Não pode... ah! Você também tem nó?
E você pode desatar este nó?
Não quer? Mas você também tem nó?
E você aí em cima, piedade, desate estes nós!
Não me escuta, não é?
Haverá um dia em que todos os nós farão um novelo
e no romper do novo dia,
em agonia eu hei de vê-lo.

Contradição 
Nonato Guedes

Ser ou não ser
Disse o célebre Shekespeare
Aflorando universo a dentre
A dúvida clássica
Da aflição existencial
Originalizou-se o dilema
Reflexo da questão
Questionada
Semeando a real capacidade
Da humanamente incorrigível
reação do ser
Ou se é ou não se é
Ditam os preceitos “constitucionais”
Da vida em comum
Rezam os direitos democráticos
Da existência
Ou se vive ou não se vive
E é aí onde reside
O preceito básico do condicionamento coletivo
Ou se apoia ou se contesta
E contestar não pode
Nem a “essência” da vida deixa
Mas impede
Ou se grita ou se cala
E se grita
Corre o risco
Da transgressão estupida
Das leis que regem o universo
E se cala
Também corre o risco
Do sufoco destruidor
Da própria ambição do homem
Metamorfoseando de amos
Ou desiste ou persiste
E se desiste é fraqueza
Sentimento desprezível
E se persiste
Se expõe ao risco
De ter que reconsiderar
Ou se vive ou não
E o certo em tudo, isso
E que nem se vive nem não
Mas se está pelaí
Pelo mundo... a vida...
Caminhando... parando... andando...
Pensando (?) e...
Não digo vivendo
Mas... sei lá!... estando.

Mordaça 
Joab de Sousa Sales

A mão cega
Esculpiu a exploração
Na face (trágica) do dia
Cavou sepulturas no coração
Desenhou no rosto, o medo
Nos lábios, o silêncio.
Acorrentou o passo,
Amordaçou o verbo
Teceu a força das leis
E revogou todas as disposições em contrário
Ergue a força
A força...
Gerou filhos cegos e obedientes
E com olhos míopes, governou o caos.