domingo, 17 de setembro de 2017

Um canto de amor para Cajazeiras

MARIANA MOREIRA



Um redemoinho buliçoso espalha nuvens de poeira sob o azul céu sertanejo de setembro. De algum recanto de rua restos de flores ganham asas e tingem o infinito de pequenos objetos incorporando o sonho humano de voar. A desidratada paisagem se acanha em espinhos e troncos retorcidos na constituição da reserva de sobrevivência, emoldurando nossas periferias com novelos de fumaça que abundam em queimadas e insanidades. 

O calor asfixia e reclama uma frondosa sombra de oiticica que murcha entre paralelepípedos, muros e paredes da cidade agigantada por suas próprias pernas e lucros, invadindo espaços, soterrando riachos e córregos onde outrora serelepes meninos se faziam meninos em bancos de areia e filetes de águas invernais. Um solitário banco improvisa uma praça sombreada por plantas estrangeiras que afugentam e matam tuas abelhas de arapuás, teus maribondos. 

Em tuas calçadas irregulares e geometricamente disformes o movimento de cadeiras de balanço no embalo do aracati são abafados por motos, carros, barracas de ambulantes, oficinas mecânicas, pontos de moto taxi. Desbotados, emergem tímidos traços das “amarelinhas”, ou “academias”, onde meninas de traça e vestido de chita sonham vidas em saltos sistematizados e olhares de ontens. 

A noite uma frondosa lua cheia rasga o céu na espreita de uma sinhazinha que lhe enamore pelas frestas de uma discreta janela. Sinhazinhas são somente memórias e janelas para as ruas se escondem atrás de pesados muros ou grossas grades que traduzem falsa segurança ou imuniza da modernidade violenta e pecaminosa. E a lua míngua ofuscada pelo clarão artificial de tuas lâmpadas e luzes e recolhe-se atrás de desgarrados filetes de nuvens que se apressam para lugar nenhum. 

Em tuas ruas, becos, avenidas circulam apressados corpos que, na peleja cotidiana da vida, se curvam e não vislumbrar horizontes, telhados, imensidões. Não enxergam o beiral de um antigo casarão que, carcomido, resiste ao tempo, a modernidade e a especulação traduzida em cimento, vidro e mesmice. A miopia dos nossos tempos nos acostuma a ver o belo somente no que pode ser traduzido e explicado pela lógica, pelo cálculo, pela racionalidade. E os derradeiros sonhos da cidade se dissipam nas pás dos tratores que demolem e aplainam as rugas, os recônditos, os enigmas. 

Do alto de teu morro um Cristo esgueira-se entre a parafernália tecnológica na busca de um horizonte da cidade que lhe acolhe como protetor. Das locas e fendas de tuas rochas exala fumaça do tráfico. De tuas encostas construções desafiam o equilíbrio e as teorias da física e se avolumam espantando onças, lagartixas e matos. 

E a cidade caminha para o futuro, que se espelha nas barrentas e poluídas águas de teu açude grande que reflete a beleza do por do sol e inebria turistas e nativos, indiferentes ao odor que mata teu oxigênio e te usurpa a vida.


fonte: Colunistas - Diário do Sertão 

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