sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

MICRO CONTO - Odethe

Cleudimar Ferreira


Foto meramente ilustrativa: Reinaldo Canato/UOL

Pelas ruas nuas, Odethe andava sem preconceito. Via as vias da cidade com suas luzes avermelhadas embaraçar seus olhos de vidro esverdeados, aquebrantados de sentimentos. Sabia que aquele dia poderia ser o último, mas poderia ser o mesmo dos outros que já passaram, pois, a fome, apesar de incomodar, não parecia ser mais a dor principal de todas que sentia na sua consciência. Inocente, pura, sem vaidade nenhuma, tocava a vida com as mãos e os minguados sons que tirava do pandeiro amigo - a única razão que sobrou do seu entusiasmo pela música. Apesar da rotina leve e solta que levava, sentia o peso da vida dura que as condicionantes dela lhes presenteavam a cada segundo das horas, muitas passadas ao lodo de Dodge, um companheiro fiel, porém fujão, que sempre a deixava desamparada nas noites frias e violentas do Varadouro. Dodge, nunca demonstrava o afeto que ela esperava que ele tivesse para arrancar um sorriso de seus lábios sedente de paixão. Por isso, não esperava tanto do companheiro ausente. Refletia ela em meio aos olhares dos transeuntes: “tudo bem, seja em que plano estiver estará bem, espero! ” Não tinha outra forma de ser feliz, se as lembranças do companheiro de estrada não saíam da pequena agenda em farrapos, ainda manchada de sangue da tragédia que viveu. Sentia-se um lixo andante, podre e nojento, qual foi a sina preparada pelo mundo injusto e excludente. Elevava ao alto a cabeça como se tivesse pedindo socorro ao além, contando uma por uma as migalhas de nuvens que cruzavam o céu azul, enquanto arrastava pelas calçadas da Integração um destino incerto. Olhava os trapos em retalhos a sua volta; acostumara com o cheiro azedo da vergonha que humildemente conduzia em dois sacos de estopas. Mal sabia ela que, o seu destino estava nas poucas moedas que ganhara e na ponta de uma lâmina de estilete que lhes sufocava a garganta. Mal sentia ela que, tudo aquilo ia terminar em poucas horas. 






observação: a imagem da mulher na foto, não é a personagem do conto.

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